"Quando meu filho nasceu eu tinha 22 anos, era solteira e estava terminando a faculdade de Direito. Minha vida era bem tranquila, morava com meus pais e não trabalhava. O Antônio não foi “encomendado”, o pai dele e eu não tínhamos intenção nenhuma de casar, e, então, decidimos que depois que ele nascesse cada um continuaria vivendo em suas próprias casas.
Minha mãe ficou do meu lado. Meu pai e irmão fizeram muitas críticas, mas depois foram se acostumando com a ideia. Consegui concluir a faculdade e estava decidida e trabalhar depois que o Antônio completasse 6 meses.
Doce ilusão! Comecei a procurar trabalho/estágio somente quando meu filho completou 1 ano, pois era muito difícil imaginar deixá-lo aos cuidados de outras pessoas (mesmo que fosse minha mãe e babá). Foi muito sofrido ter que me separar dele para buscar emprego, mas eu queria construir um futuro para nós dois com meu próprio esforço.
Percorri vários escritórios de advocacia em busca de estágio ou efetivação, enquanto eu estudava para prestar a OAB. A OAB foi uma vitória quando consegui, mas ainda estava sem emprego após 5 meses de muita busca. Sempre que contava do meu filho sentia um olhar de desapontamento, como se ele fosse me impedir de trabalhar satisfatoriamente.
Eu dizia, nesses momentos, que tinha estrutura em casa para cuidar dele, que eu não faltaria no trabalho, nem me atrasaria, mas nada adiantava. Ninguém falava nada, até porque é contra a legislação trabalhista qualquer tipo de preconceito. Entretanto, eu sentia o preconceito.
Eu estava com quase 25 anos e ninguém me dava uma oportunidade, mesmo tendo estudado numa excelente faculdade e ter OAB. Foi, então, que durante uma entrevista, já cansada de ser discriminada, eu decidi ocultar o fato de ser mãe. Me senti péssima, meu coração rachou, a voz saía doendo da garganta, mas foi a única opção que tive. Bingo! Como suspeitava, o fato de não dizer que sou mãe abriu as portas de uma vaga. Fui contratada.
Foram meses horríveis, pois não podia contar absolutamente nada a ninguém do escritório sobre meu filho, quando ele brincava, quando falava uma gracinha, quando se machucava. Excluí meu perfil das mídias sociais para que ninguém do escritório achasse estranho não adicionar os colegas, eu dizia apenas que não gostava do Facebook. Trabalhei lá por 10 meses, até que não aguentei mais e pedi demissão. Assustado, o dono do escritório me perguntou o motivo, pois estava tudo bem, eu tinha um ótimo desempenho e todos gostavam de mim e enxergavam um bom futuro para minha carreira.
Fui sincera, contei sobre meu filho, sobre as dificuldades de viver naquela farsa e os motivos pelos quais escondi essa verdade durante a entrevista. Para minha surpresa, a reação do meu chefe foi de estranhamento, sim, mas também foi positiva. Ele disse que se esse era o motivo eu poderia continuar trabalhando, não haveria problemas, pois eu já havia mostrado que era capaz de trabalhar como uma “pessoa normal”. Ter usado esse termo acabou comigo... Como assim, “pessoa normal”? Eu não sou normal porque sou mãe? Preciso provar antes que “sou normal” (sob os critérios de quem?) antes de ser aceita? Engoli seco, agradeci mesmo assim a compreensão e disse que não poderia aceitar a “gentileza”.
Voltei a procurar emprego, mas decidi prestar concurso público para não ter que passar novamente pelo que passei. Como sempre estudei muito e meus pais sempre me proporcionaram boas oportunidades, tenho uma ótima bagagem educacional. Passei num concurso, na minha área, e estou trabalhando há 2 anos. Estou feliz agora, mas gostaria de contribuir para uma sociedade que não discriminasse uma profissional porque ela é mãe. É injusto, ilegal e desumano."
Alice Motta
*Esse depoimento encontra-se no capítulo A volta ao trabalho do nosso primeiro livro. Leia outros depoimentos, bem como textos de profissionais convidados adquirindo o livro através do link: http://bit.ly/2gbmuNY
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