23/11/2016

14 dias - Um Tempo Interminável

Antônio, filho da Leticia, precisou ser internado na UTI ainda recém-nascido e ela nos conta como foi a experiência.


“Precisamos internar. E vai ser direto na UTI.” Com essa frase, meu mundo, que já estava à beira de um colapso, caiu de vez. Antônio tinha apenas SETE dias.

Nasceu num parto normal - 40 semanas e 2 dias de gestação. Gravidez super saudável. Estávamos tentando engrenar na amamentação e vivendo os típicos nada normais primeiros dias em casa de um recém-nascido.

Mas naquela segunda-feira à noite, meu filho não estava bem. Não respirava direito. Eu tenho asma desde criança e sei identificar quando algo não vai bem nessa área. Perceber o problema no meu bebê foi totalmente assustador. Por telefone, a pediatra nos passou orientações durante toda a noite; queria evitar que fôssemos a um Pronto Socorro e o expuséssemos à toa. Mas não aguentamos e fomos. Passamos a madrugada e nos liberaram. Devia ser apenas alguma indisposição normal.

SÓ QUE NÃO!

Ao longo do dia, Antônio piorou. Não queria mamar de jeito nenhum e tinha muita dificuldade para respirar. Meu medo era gigantesco. Fomos à pediatra. Houve algumas tentativas de fazê-lo melhorar, mas nada. A melhor medida seria ir ao hospital novamente. No Pronto Socorro, aquele caos - lotado, cheio de criança espirrando, tossindo. Era abril, aquele clima esquisito. Ele foi atendido. Inalação, exame de sangue (sim, agulha no bracinho minúsculo). Antônio não chorava. Eu, sim. Foi quando uma médica disse aquelas palavras do início do meu relato. Suspeitavam de bronquiolite. Vi meu marido soluçar de chorar ao lado do Antônio.

Uma médica, já na UTI neonatal, nos recebeu e, pacientemente, conversou bastante conosco. Foi sensível, informativa; foi líder. Explicou sobre o possível diagnóstico, as primeiras medidas, como funcionava a UTI. E essa pessoa, de quem não sei mais o nome, deu talvez o principal conselho pra uma mãe naquela situação. “O melhor remédio para o seu filho será o seu leite. Para ter leite, você precisa dormir. Pra dormir, você precisa ir pra casa à noite, descansar à medida do possível, se hidratar e se alimentar. Se não fizer isso, o leite vai secar.”

Sair do hospital foi difícil, mas chegar em casa sem ele nos braços foi inexplicável. O que ajudou? O conselho da médica. Aquilo virou meu mantra. Tomei banho, deitei e capotei. Meu foco seria ficar bem para tê-lo bem. Meu foco era ter leite. Meu foco era o que estava em minhas mãos.

Dali em diante foram dias muito difíceis. Uma angústia e um temor pela incerteza da vida. Senti cedo essa dor absurda que é ser mãe. Esse amor absurdo que é ser mãe. Houve momentos de alívio, muitos de angústia. Houve melhoras. Houve pioras. Houve tanta dúvida. Os sintomas eram todos mesmo de bronquiolite. Porém, nos exames nada constava.

No hospital, conhecemos muitos médicos, enfermeiras, técnicas de enfermagem, fisioterapia respiratória, nomes de medicamentos, outros bebês e outros pais. Ali também conheci o lactário, o lugar que virou meu retiro, minha sessão de terapia com outras mães, meu refúgio pra chorar, meu martírio com as contas dos volumes do leite tirado, minha sala de descompressão.

Aliás, essa parte tensa. À medida que ele precisava mais do meu leite (por sonda), mais tinha impressão de que eu não ia conseguir. Tive de dormir em casa de amiga vizinha do hospital. Tive de dormir no próprio hospital. Tudo para dar conta de deixar leite suficiente para ele. Fiquei maluca, mas ele ficou exclusivo com leite materno. Uma exceção no universo das UTIs. Tudo conspirou e tenho certeza que isso ajudou no poder de reação dele.

Amadureci. Envelheci. Foi duro. Foram 14 dias de UTI. Pouco, perto de mães que estavam internadas desde o 6º mês de gestação, ou daquelas que acompanhavam os filhos há mais de 40, 50 dias por inúmeros motivos. Muito, perto do que eu esperava.

Sobrevivemos. A gente vive o que precisa viver. E aprendi muito.

Aprendi que a vida é mesmo imponderável. Aprendi que quando nasce uma mãe, nasce uma culpa que só cresce. Aprendi que quando seu bebê vai para uma UTI, a última coisa é descobrir os porquês daquilo estar acontecendo. Aprendi que o leite materno salva; que pra ter leite materno é preciso dormir, se hidratar e se alimentar.

Aprendi que rir é fundamental mesmo na merda; ouvir as histórias dos outros e contar a nossa é terapia; os bebês são muito mais fortes do que podemos supor e que eles entendem absolutamente tudo o que acontece.

Aprendi que devemos falar com os nossos recém-nascidos, sem exagerar na vitimização, e nem, por outro lado, subestimar a dor deles. Aprendi a agradecer a Deus por cada dia de vida e cada conquista. Aprendi a amar de um jeito único. Aprendi a ser mãe.

Não...na verdade, isso aprendo todos os dias.

[escrito 1 ano e 7 meses depois dessa aventura louca da vida desta mãe que hoje chora muito mais de alegria do que de tristeza e acha que cansaço é quando o pequeno demora pra dormir de tão eufórico. Lembrar de todo o começo torna, hoje, tudo mais simples. Ah e tem mais coisa boa deixada pela UTI. Ela deixou de ser bicho-papão. Foi boa e necessária. Antônio, meu marido e eu saímos muito mais fortes dela. Não é qualquer coisinha que nos abate. Não mesmo!]

Letícia Fagundes é mamãe do Antônio.



*Esse depoimento encontra-se no capítulo "Mães de UTI" do nosso primeiro livro. Leia outros depoimentos, bem como textos de profissionais convidados adquirindo o livro através do link: http://bit.ly/2gbmuNY

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