24/03/2017

A maternidade me salvou da minha infância infeliz

"Não tenho muitas recordações da minha infância, mas sempre tive a lembrança de que não fora fácil, nem feliz. Filha de pais separados, com 3 irmãos pequenos, passava os dias com uma empregada, pois minha mãe trabalhava o dia inteiro e chegava cansada toda noite.

Sempre achei minha mãe uma heroína... até que me tornei mãe e percebi quão ausente ela foi na minha vida. Não desconsidero a necessidade de trabalhar, meu pai era irresponsável totalmente e se ela não trabalhasse tanto não teríamos nada para comer e vestir.

Entretanto, hoje questiono suas prioridades aos finais de semana, que nunca nos incluía como convivência, brincar junto, dar risada, se divertir. Meus irmãos e eu tínhamos que nos virar para encontrar o que fazer e nunca podia ser com ela, pois estava cansada ou saía "para espairecer merecidamente"! Claro que precisava, penso eu, sim precisava! Toda mãe precisa! Mas, poxa, suas horas livres nunca eram conosco e quando estávamos juntos me lembro quão estressantes eram aqueles momentos, havia um ressentimento, um rancor... Ela estava sempre reclamando. Hoje, racionalmente, eu entendo que devia ser difícil... mas na época eu era criança e não entendia!


Lembro que uma vez me machuquei. Eu devia ter uns 10 anos, no máximo. Minha mãe olhou pra mim e disse "isso não deve estar doendo! É frescura, já, já passa!" E eu fiquei chorando, nem sei se era de dor ou se era de abandono. Lembro de outras situações em que recebi olhares de ódio, palavras ríspidas, descaso. Eu achava que era culpa minha, por ter nascido e estragado a vida dela. Sempre achei que a vítima era ela.

Minha filha nasceu e eu pude revisitar toda a minha infância sob outro ângulo: a vítima era eu. Vítima da inexperiência de quem supostamente deveria querer aprender a ser mãe e pai. Vítima da falta de carinho, de cuidados. Sim, eu tinha casa, comida e roupa. Nada mais além disso.

Com o meu amadurecimento como mãe, cada vez entendo menos os pais ausentes, os pais que acham que fazem tudo que podem por seus filhos mas que não dão a eles a coisa mais importante do mundo: ATENÇÃO.


Hoje tenho convicção de que sou a mãe que gostaria de ter tido. Eu trabalho fora, mas optei por trabalhar meio-período e ganhar menos só para poder estar com minha filha. E quando estou trabalhando dou tudo de mim para poder valer a pena ficar longe dela aquelas horas. Não sou uma mãe perfeita porque não existe perfeição, mas sempre que lembro da minha infância triste alimento meu desejo de ser melhor e consigo enxergar onde preciso melhorar. Tem funcionado. Vejo minha filha crescer rodeada de amor, atenção, cuidado, carinho e me sinto feliz por vê-la feliz e se desenvolvendo tão bem.

Minha infância me deixou marcas severas. Cometi erros querendo a todo custo chamar a atenção de quem não me via como criança, filha, e sim como um peso para sustentar. Me envolvi em relacionamentos nocivos tentando me punir e me resgatar, ao mesmo tempo. Procurei ajuda em diversas fontes. Encontrei a mim mesma e me aprofundei ainda mais com a maternidade. Ela, sim, me salvou.


A responsabilidade por tudo isso não foi só da minha mãe, claro, pois meu pai desistiu de tentar ser pai. Mas já que minha mãe era a única que estava por perto, só dela posso falar.

Mães erram, sim. Mas podem mudar com o passar do tempo, começar a corrigir, melhorar. A minha nunca mudou. Até hoje é distante, não telefona para saber se estou bem, nem se interessa pela neta. Quando precisa de alguma coisa ela aparece.

O que aprendi e aprendo com ela? Que ela não é meu modelo de mãe e tudo que desejo é fazer diferente."


Anabella Florêncio, mãe da Valentina.

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